domingo, 20 de dezembro de 2015


A gente se parece um tanto. Fazemos tantas coisas iguais, temos as mesmas dúvidas, vamos aos mesmos filmes, gostamos das mesmas músicas. 
Quando reparo bem, você sempre está com camisas cinza, sem nem mesmo eu pedir ou comentar. Puro gosto seu, igual ao meu. Completamos pensamentos, fazemos as mesmas piadas, sabemos das mesmas coisas. Minha figurinha repetida.

Só não nos acrescentamos em nada.

sábado, 19 de dezembro de 2015

A boa morte


E eram seus 83 anos, anos demais em sua cabeça, anos de menos quando pensava em todas as coisas que queria poder ver acontecer. Mas viu tanto e tudo. Viu os filhos crescerem. Viu os netos nascerem. Viu o cabelo da esposa ficar branco e as dobrinhas de sua pele, de todas as expressões da vida, se tornarem permanentes pelo rosto. Viu os piores e mais dolorosos problemas passarem.
E era nisso que ele pensava quando o médico chegou naquela tarde e disse que não poderia fazer mais nada para curá-lo. Ele apenas assentiu com a cabeça, quieto, compreensivo. Estava deitado em uma cama desconfortável de hospital há semanas, com uma parede sem cor em sua frente e um barulho sem vida saindo dos aparelhos que o monitoravam na UTI.
Sua filha mais nova estava segurando sua mão.  Deu para ver sua expressão mudar, seus olhos diminuírem e lágrimas saírem pelo rosto da caçula. Ele continuou quieto, apertou a mão dela querendo dizer que entendia sua dor, mas que tudo ficaria bem.
Foi de concordância de todos que ele iria para a enfermaria e quando pudesse, assim que pudesse, iria para casa, com todos os medicamentos para dor que necessitava. E isso aconteceu em uma sexta-feira que pareceu a mais feliz de sua vida pelo simples fato de sentir um cheiro de café fresco vindo da cozinha amarela.
O difícil dos próximos dias era ver que após cada sorriso dado tinha saudade. Todo olhar dado era permeado de falta, mesmo que ele estivesse ali presente. Respondia esboçando um sorriso de gratidão. 

 E nada para ele mudou nesses dias. Manteve as contas em ordem, manteve seus filhos por perto, manteve-se informado das notícias do mundo e a felicidade do seu time de futebol preferido ganhando um clássico. Manteve as roupas passadas e a calma de saber que não adianta nada se afligir por bobeira. Manteve o cabelo cortado, a barba feita e o carinho de assistir a novela com a esposa.
Ele manteve sua vida da melhor forma possível, sabendo que nada iria terminar mal quando se vive tão bem. 

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Pensar que todas as coisas do mundo acontecem por um motivo faz tudo parecer um pouco mais justificável, suportável. Existe uma frase irritantemente impactante que simplifica tudo com: “O que mata no sofrimento não é o sofrimento, é a falta de sentido” (e eu gostaria muito de saber quem foi o sujeitinho que falou isso).
E como essa frase faz um baita sentido na minha cabeça quer dizer que  faço parte daquele grupinho de pessoas que sente o coração acalentado em alguns momentos pensando que a batidinha de dedo na quina da cama talvez tenha uma explicação plausível no final da vida.

Sabe aquele dia que você acordou cedo para se arrumar com calma, mas esqueceu o dinheiro da passagem na mesa, precisou voltar correndo para pegar e isso te fez perder o ônibus e chegar atrasada no trabalho em plena (maledeta) quinta-feira? Encaro esses eventos com um pensamento motivador que aquele ônibus vai bater, ou melhor, explodir.
Sinto muito ao pensar no motorista que vejo todos os dias, no cobrador e naquele carinha que pega ônibus comigo e que trabalha na mesma empresa que eu e é noivo de uma colega de trabalho queridíssima. Mas meu coração só fica em paz pensando que perder o ônibus teve um fundamento. Afinal, não era minha hora e eu iria morrer se estivesse no transporte público no horário rotineiro. Fui poupada.

Nesse sentido, não quero nem narrar as coisas que penso quando vejo alguém que perde o ônibus por pouco. Tremo na base. Talvez não seja a hora dessa pessoa, mas eu estou ali dentro. Merda. A roupa ficou no varal.

As coisas ficam tão melhores quando fazem sentido que decidi aplicar a teoria da explosão para quase tudo na vida. Pense naquela pessoa que não quer absolutamente nada com você. Claro que como uma pessoa surtada que é vai começar a tentar procurar explicação pra isso, mas é simples, apenas pense: ela iria ter explodir, uma coisa terrível  iria acontecer, mas não chegou a sua hora. Você foi poupado.

Bom, se você faz parte do grupinho de pessoas que acredita que no final, bem no final, tudo não passa de um emaranhado de coisas que acontecem sem motivo algum e “Paciência, camarada”. Está tudo bem, às vezes até eu penso desse jeito. Até ver que as coisas simplesmente explodem.


domingo, 13 de setembro de 2015

Você que já me quer tão bem,
Que gosta do meu cheiro
Minha costela
Seios

Que me adora
Depois me ama

Que me beija
E pede carinho
E sente saudades
E faz manha

Você poderia se apaixonar por mim
Logo
Porque às vezes já não entendo mais nada

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Meu ritual

É que quando sinto o cheiro de leve e o toque quente, não resisto e vou até terminar. E então faço com você assim como faço com aquele final do café: tomo em um gole só.
Mas sempre é ruim e eu já sabia, tem aquele gosto frio que nada lembra o sabor eufórico que me fez tão impulsiva. Faço careta, fico um pouco enjoada. Sempre me arrependo. E venho com toda aquela repreensão de "Nunca mais repetirei. Que desnecessário".

Esse é o ritual, até o cheiro vir leve, o toque quente e até a próxima caneca de café chegar.

domingo, 23 de agosto de 2015

Primeira vez que me prostitui
Dei meu corpo pelo seu amor
Mas nunca ganhei tal amor
Fiz um péssimo negócio

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Apelidinhos de namoro

“Toda carta de amor é ridícula, se não for ridícula não é uma carta de amor”

Já jurei de pé junto, já maldisse aos céus e terra, já ri, já usei contra você todos os apelidos toscos que um namoro pode ter e todas as bobagens que acarretam uma paixão. Dava graças aos céus por me protegerem de coisas como ser chamada de “amor”. De amor só chamava meu pai e olhe lá, porque se fosse meu irmão eu ainda faria caretas involuntárias.
Disseram uma vez que quando eu encontrasse a pessoa certa me livraria disso e eu ri, obviamente, e enchi minha grande boca ao dizer “Você não me conhece”. Mas, escreva bem o que estou te dizendo (já está escrito, então no máximo faça Ctrl C + Ctrl V), todo mundo que condena aos 7 ventos o uso de “amor-mozin-mô-moreco-mozão”, um dia pagará a língua que tem. Não importa quanto tempo demore, você pagará.
Você vai aparecer protegido com sua armadura completa de “ninguém vai me fazer ficar bobona” e com a espada chamada “tenta que corto sua garganta”, mas alguém sutilmente vai aparecer disfarçado de “pessoa qualquer”, vai te conquistar, te arriar os quatro pneus e o step, te deixar sem proteção contra coisa alguma, sobre qualquer coisa. Ainda terá vestígios, pode até pedir no início que não, mas não vai demorar muito. Você foi pego, se ferrou.
Ferrou tudo e tanto que mudou o nome do contato no celular, se ferrou tanto que não chama apenas de amor, mas também cria variações inimagináveis para tal palavra. Ferrou tanto que acha que o mundo acabou se por acaso é chamado pelo nome porque, afinal, que mal você fez aos deuses todos pra merecer ser chamado pelo próprio nome?
E não tente resistir muito que possivelmente tudo vai piorar, não demora muito irão comprovar que quem condena apelidos carinhosos por um tempo prolongado demais tendem a chamar a amada/amado de namorida/namorido e bom, isso já é demais, né.





segunda-feira, 27 de julho de 2015

O Fábio do Necrotério

Existe um rotina quando as pessoas morrem em um hospital (desculpas por tocar nesse assunto, mas as pessoas realmente morrem no hospital e existe uma rotina após isso). A enfermeira chama a família. O médico dá a notícia. Eu (psicóloga) estou ali, parada ao lado para dar o suporte quando o silêncio se rompe em choro, ou grito, ou não se rompe. E caminhamos juntos por toda parte dolorosa e também pela burocrática. Passamos para pegar um papel aqui, receber os pertences ali, fazer uma ligação...

Até que vamos ao Fábio, do necrotério. Raramente o vejo fora desses momentos, tanto que não consigo tirar o acompanhamento de seu nome. É o seu nome.
-O Fábio, Fábio de que?
 Seu sobrenome.
-Fábio do Necrotério.

Ele passa comigo a parte que menos gosto: a parte que o familiar vai ver o corpo ali deitado naquela sala sem o conforto que não é mais necessário. Sinceramente, é uma parte muito ruim de acompanhar.
Então é sempre assim, quando o encontro no corredor sei que alguém faleceu. Ele é um prenúncio. Seu cabelo molhado, seus óculos escuros. Meu coração surta dentro do peito e penso “Merda, quem foi?”

E me preparo porque alguma psicóloga vai receber uma ligação. Detesto óbitos, espero que não seja eu. Espero que seja a Letícia, Quando a ansiosa curiosidade aperta, pergunto em um gesto simples de longe: “Tem alguém?” e ele nega com a cabeça a distância. Eu quase sorrio.

Nesses dias reparo um alívio que sempre me passou despercebido e que acontece no rosto dele quando faço essa pergunta. Ele é meu prenúncio. Eu sou o prenúncio dele. Toda vez que me olha pensa, angustiado: “Espero que não tenha óbito”. E aguarda a ligação. 

domingo, 26 de julho de 2015

Irmã Mayara,

que joga cartas, búzios e não cobra trabalhos.
Entenda, de uma vez só, que trazer a pessoa amada em cinco dias nunca foi o problema.
O problema é fazê-la ficar.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Você me pediu em casamento
Logo em seguida
a conta do bar

domingo, 26 de abril de 2015

Tenho certeza que se eu abrir os olhos, aqui deitada nessa cama, vou encontrar um elefante sentado em meu peito. Tenho certeza que, reparando bem nesse meu rosto salgado, verei que sou apenas eu mergulhando no mar meio sem jeito, meio tumultuado. E tenho certeza que se eu fizer silêncio e pegar no sono exatamente agora, não vou perceber que estou mentindo e vou esquecer dessa história toda.

terça-feira, 24 de março de 2015

morto e enterrado
nas covinhas do seu sorriso

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Acordo cedo e te vejo dormir, minha hora preferida. Fico quieta escutando sua respiração barulhenta e é apenas isso que torna impossível que simule sono perto de mim. Sei que nesse momento você não simula nada, apenas nesse. Seu braço sempre para fora da cama, transparecendo que todo o espaço do mundo não é suficiente. Para você o mundo é pequeno demais, é visto por cima, de longe. Distante. E eu, mínima. Seu sono também é bagunceiro, brinca na cama como se sua agitação corriqueira não acabasse. Você muda, se ajusta, se perturba, se desajusta. A impressão é que nunca está em paz, nem mesmo no momento em que o rosto fica sereno. Mas nessa hora eu estou e te vejo diferente com os olhos fechados, o formato delicado do nariz, o corpo meio coberto e nu. Indefeso.

É a única hora do dia em que consigo ficar em silêncio, é a única hora do dia que sinto que isso é o suficiente para mim e para você. No mesmo lugar. Minha hora preferida. E em um momento breve seus olhos abrem. Nesse breve momento minha paz termina.

domingo, 25 de janeiro de 2015

Pra salvar seu coração.

Lembro do dia que uma amiga me contou que o garotinho que eu era apaixonada não iria me fazer feliz porque gostava de outra pessoa. Eu não era uma criança, apenas uma adolescente meio tosca que usava calçados estranhos e me vestia meio mal. 
Apesar disso, uma das coisas que me surpreendem foi a reação que tive sobre a informação dada ao telefone: fui para o meu quarto desarrumado, deitei na cama em uma posição desconfortavelmente esquisita e orei.
Na minha conversa com Deus pedi simplesmente pra ele deixar o garotinho ser feliz com a pessoa amada (que não era eu) porque achava injusto que isso não acontecesse.
Naquele momento esqueci da minha dor, esqueci que queria ter beijado a boca do garotinho e andado de mãos dadas com ele na rua depois de conhecer seus pais (que sem dúvidas me amariam). Só quis saber se o garotinho ficaria bem, se seria bem cuidado e não sofreria.
Tenho certeza que não fiz isso porque não o amava do meu jeito adolescente, mas de uma forma estranha eu sabia a maneira certa de amar alguém. Esses dias tenho aprendido com a garota tosca que um dia eu fui (a garota que achava que precisava fazer uma tatuagem como a do vocalista da minha banda preferida).

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

(quase) minicontos

ÔNIBUS

Pensando em você
passei do ponto.


REFLEXO

Ver pessoas chorando me incomoda profundamente.
Nunca tive espelhos em casa.


DIAGNÓSTICO

Foi doente de ciúmes que ela morreu.


ATLAS

Céus! Que peso! - resmungou.


PRECE

Gritando sem sussurros,
para que apenas os anjos a ouvisse.


ANSIEDADE

Uma hora antes, já estou atrasada.