domingo, 8 de dezembro de 2013

Coisas feitas para serem completas

- Gosta de pão com ovo? - Gosto.  
- Eu sei fritar ovo. 
- Eu sei comprar pão. 
- A gente se completa. - Eu sei.



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Já senti vontade de acabar com tudo isso de vez. Não vale a pena não te ver sempre e morrer de saudades o tempo todo. Não vale a pena não ter seu sorriso quase grudado no meu e ver meu rosto estampado em seus olhos. Não vale a pena nada disso, não aguento mais. Sim, já senti vontade de acabar com tudo isso de uma vez e mandar você passar no cartório com data marcada e assinar logo seu nome em um papel de casamento.


terça-feira, 9 de julho de 2013

Em uma folha de papel amarelo com linhas verdes
ele escreveu um poema
E o intitulou "Chops"
porque era o nome de seu cão
E era o que estava em toda parte
E seu professor lhe deu um A
e uma estrela dourada
E sua mãe o abraçou à porta da cozinha
e leu o poema para as tias
Era o ano em que o padre Tracy
levava todas as crianças ao zoológico
E ele deixou que cantassem no ônibus
E sua irmãzinha tinha nascido
com unhas minúsculas e nenhum cabelo
E sua mãe e seu pai se beijavam tanto
E a garota da esquina mandou para ele
um cartão de Dia dos Namorados assinado com vários X
e ele teve de perguntar ao pai o que significava X
E seu pai deixou que ele dormisse na sua cama à noite
E era sempre lá que ele dormia
Em uma folha de papel com linhas azuis

ele escreveu um poema
E o intitulou "Outono"
porque era o nome da estação
E era o que estava em toda parte
E seu professor lhe deu um A
e o pediu para escrever com mais clareza
E sua mãe não o abraçou à porta da cozinha
por causa da pintura nova
E as crianças disseram a ele
que o padre Tracy fumava cigarros
E largava as guimbas no banco da igreja
E às vezes elas faziam buracos
Que era o ano de sua irmã usar óculos
com lentes grossas e armação preta
E a garota da esquina riu
quando ele pediu para ver Papai Noel
E os garotos perguntaram por que
a mãe e o pai se beijavam tanto
E seu pai não o cobria mais na cama à noite
E seu pai ficou furioso
quando ele chorou por isso.
Em um pedaço de papel de seu caderno
ele escreveu um poema
E o intitulou "Inocência: Uma Questão"
porque a questão era sobre uma garota
E isso estava em toda parte
E seu professor lhe deu um A
e um olhar muito estranho
E sua mãe não o abraçou à porta da cozinha
porque ele nunca o mostrou a ela
Foi o primeiro ano depois da morte do padre Tracy
E ele esqueceu como terminava
o Creio em Deus Pai
E ele pegou a irmã
se agarrando na varanda dos fundos
E sua mãe e seu pai nunca se beijavam
nem mesmo conversavam
E a garota da esquina
usava maquiagem demais
O que fez ele tossir quando a beijou
mas ele a beijou mesmo assim
porque era a coisa certa a fazer
E às três da manhã ele se aninhou na cama
seu pai roncava alto
É por isso que no verso de uma folha de papel pardo
ele tentou outro poema
E o intitulou "Absolutamente Nada"
Porque era o que estava em toda parte
E ele se deu um A
e um corte em cada maldito pulso
E se encostou na porta do banheiro
porque nessa hora ele não pensou
que poderia alcançar a cozinha.

 

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Esse poema está no livro "As Vantagens de Ser Invisível", uma das minhas leituras dessas férias (só porque pretendo ter mais de uma). No livro Charlie diz "Ninguém sabia quem era o autor, mas Bob disse que ja o ouvira antes, e ele soube que era um bilhete suicida de um garoto. Eu espero que não seja, porque não sei se gostei do final.", bom...eu gostei do final, mas espero que não seja um bilhete suicida.

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Eu me sinto infinito.

domingo, 13 de janeiro de 2013

[Uma aquarela que não (?) descolorirá]

Por Bia Rebello


 Essa semana todo mundo em casa está viajando, é boa a sensação de paz, é ruim a sensação de solidão. Você também viajou pra longe de mim. Na verdade, você já planejava essa viagem há tempos, eu até que suspeitei, mas não pude prever a hora do embarque. Soube que você comprou a passagem só de ida. O que aconteceu com a passagem de volta pra mim? Você estava sem dinheiro? Eu te emprestava, poxa. A fila estava muito grande? Eu sei, você não é paciente. Mas deveria ter feito um esforço, deveria ter me falado a tempo. Eu pegaria a fila por você. Eu pegaria a fila, o metrô cheio, eu pegaria até chuva e gripe. Eu pegaria na sua mão pra você esperar sua vez. Mas agora não dá mais. É uma pena que ficou tarde e eu só pude olhar você ir. Eu até pensei em subir na sua mala ou sumir com ela. Pensei em gritar: "Está ficando tudo escuro por sua culpa!”. Pensei em pedir educadamente pra você devolver meu coração que estava dobradinho nas suas coisas (provavelmente entre uma daquelas meias que você sempre me emprestava). Eu pensei em tanta coisa, mas não dava mais tempo. Seu ônibus já ia partir, meu coração já estava partido. O que mais você enfiou na sua mala? Devolve minha alegria! Você também vai levar os nossos planos? Deveria ao menos deixar meus olhos aqui quietinhos, eles tremem. Eu não me lembro de ter feito um acordo onde concordava que você levaria tudo de mim quando partisse. Antes de abaixar pra juntar meus cacos, sussurrei: "Não use nossos apelidos com mais ninguém". Ora essa, como se as pessoas fossem substituíveis. Pessoas são descartáveis, não substituíveis. Pessoas são únicas. Não era pra você rir, eu estava falando sério. Eu só queria falar que eu te amava e que o único plano era guardar tudo no peito. Mas você ria e chorava e isso me doía em cada músculo do corpo.Com um tchau amarelado eu me virei e tive a sensação de que aquela multidão inteira acompanhava nossa história. Sentia vários olhares atentos, prontos pra me aplaudir ou vaiar de vez. Eu fiquei procurando em cada olhar as cores que você me prometeu que não se apagariam. "Talvez as lágrimas estejam desbotando tudo" pensei. Mas não era. Te olhei de novo e vi que tudo estava realmente cinza. Mas não faz mal, vou provar o tal do “tempo cura”. Enquanto isso, junto uns trocados pra comprar uma caixa de lápis de cor nova e quando eu conseguir desenhar meu próprio sol, de novo, eu te procuro pra contar. Feliz um ano de começo, meio e fim. Feliz um dia sem mim. Feliz Ano Novo

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O que eu bebi por você, dá pra encher um navio e não teve barril que me fez esquecer. O que eu bebi por você, nunca artista bebeu, nem pirata bebeu, nem ninguém vai beber.