sábado, 27 de setembro de 2008

Estranhamente familiares

Eram todos crentes naquela família e se reuniam todas as sextas-feiras na casa de uma das tias, filha da grande avó da família, para estudarem a Bíblia e cantarem músicas para o louvor de Deus. Bem, havia comida também. A comida nas reuniões está sempre presente, assim como uma garrafa de Coca-Cola e Coca-Cola ZERO.
Essa noite fizeram chocolate quente, aquele feito com um pouco de maisena. O tempo está frio e só aquela garota de blusa listrada que arriscou tomar Coca-Cola. Estava na cara que ela era diferente do resto, estava na cara que ela deveria ter tomado chocolate quente e tentar parecer com o resto...
A garota era filha do primeiro casamento do filho da grande avó e apenas recentemente começara a conhecer a família do cara grande que era seu pai. Ela tentava ser o mais simpática que conseguia...ela tentava lembrar quem era quem e que eles tinham o mesmo sobrenome que ela.


-Bethi,o nome dela é Bethi. Bethi,Bethi,Bethi...Não posso me esquecer do nome dela. Ela é mãe da Flávia. Eduardo. Alexandre...Será que consegui gravar? Flávia, Duda e Xande... –ela repedia diversas vezes para tentar gravar.


-Nossa! Como você cresceu! Lembra de mim? –esse homem a pegou de surpresa, ela não lembrava dele...não lembrava mesmo!


-Han...não! – ops...ela havia pensado que não lembrava,não precisava ter dito isso.


-Seu tio Elias. Sou pai da Flávia, Duda e Xande! – o cara de cabelo branco se apresentou. Ele tinha a cara de mafioso da família Corleone e ela se controlou para não fazer esse comentário.


-É cresci...desculpa,não lembrava... –falou constrangida se achando uma tonta. A Bethi era casada, não teve três filhos sozinha. Claro sua tonta! Bethi casada com Elias, Behi casada com Elias, Bethi casada com Elias. Não ia mais esquecer do detalhe.


As pessoas conversavam freneticamente e ela estava ali se entupindo de Coca-Cola. Era engraçado lembrarem dela. Como podiam lembrar? Seria mais confortante se tivessem esquecido, explicaria o porquê de nunca terem procurado para saber se estava viva...


-E as novas? – perguntou um de seus primos.


-Bom...nem uma para ser sincera. As novas ficam velhas e a vida continua na mesma... – se surpreendeu respondendo isso. Seria estranho responder, “Quanto tinha onze anos fiquei menstruada pela primeira vez...e quanto tinha doze fiquei com o primeiro garoto...bom...aos seis anos mudei para outra cidade...”.


Deu-se conta que tudo seria novidade aos ouvidos daquelas pessoas. E tentou não reparar mas eles tinham o nariz grande. Maior, muito maior que o dela. Não era só a Coca-Cola...estava literalmente na cara que eles eram diferentes.


-Margô,me passa um copo plástico? – a garota havia mordido toda a borda de seu copo e precisava de outro.


-Margô? Ela é sua tia menina! Chama de Tia! –a garota riu, não repetiu o nome dela, pegou o copo e agradeceu. Devia mesmo chamar de tia? De prima? Por via das dúvidas, chamou. Também chamou sua avó de “vózinha” (arrependeu-se).


Começaram o culto e ela começou a se sentir muito mal. Devia estar se sentindo em comunhão com todos aqueles estranhos familiares com estranhos narizes que estavam ali. Mas seu coração acelerou e se perguntou se um sobrenome era o suficiente para tornar aqueles ali seus velhos novos conhecidos. Estava disposta a tentar fazê-los seus novos parentes, mas algo no seu peito estava tão estranho. Eles eram tão crentes e isso deixava a distância e a indiferença de tantos anos ainda mais insuportável. Tão crentes...tão crentes...


O culto acabou finalmente, agora se sentia menos culpada por não ter cantado duas músicas e por ter aproveitado que sua avó estaria de olhos fechados na oração final para ficar mexendo no rosto com a mão. Depois orou quieta, sem fechar os olhos, pedindo perdão por ter raiva de tudo,por não ter conseguido sentir o que queria em relação a todos ali.
Essa noite não dormiria na casa de seu pai, ligou para uma amiga e disse que passaria a noite com ela. Mal despediu de todos, foi dando um ”tchau” de longe falando nome por nome, achou que seria um ótimo teste de memória.


-Vem aqui pra eu te dar um beijo! – só podia ser a tia que olhava torto pra ela. Ou seria ela que olhava torto pra tia?


Entrou no carro dos pais de sua amiga. Eles eram mais que os pais de sua amiga,eles tinham sobrenome diferente e o nariz também diferente...mas tinham amor por ela desde que era criança. Seu olho encheu de água, tentou não chorar...não conseguiu.


-O que aconteceu? Te fez muito mal ficar com eles? Não se sinta culpada... – foi a Tia Jurema com seu jeito amável tentando ajudá-la.


-Eu não consegui me sentir bem...Por Deus! Eles gostam muito de Silas Malafaia!Tem o nariz diferente do meu! Trocam Coca-Cola por chocolate quente! E ainda criticaram C.S. Lewis! Por Deus!Como podem criticá-lo? –agora ela olhava pela janela enquanto a mão de sua tia estendida para trás acariciava sua cabeça.


Não precisa ficar com raiva por não conseguir se sentir da família. Vamos lá para casa, você toma um pouco de água e se acalma. Você tentou...Só não fique com raiva por não gostar deles. – a garota balançava a perna sem parar, com mais força que o de costume. Não era o seu tique nervoso, era sua tensão e raiva.


Ela se perguntava como era possível não conseguir amá-los e como era possível eles não a amarem verdadeiramente. Ela se perguntava que tipo de crente era por sentir tanta raiva deles e poxa...eles eram também tão crentes e tão crentes... Por Deus! Ela se perguntava se Deus entenderia que ela estava ferida demais com aquilo e se Deus a perdoaria por ter o nariz tão pequeno.




*****


Minha irmã é linda. Ela gosta de mim, gosta de ficar me encarando o tempo todo e tentar pegar as páginas do livro enquanto leio. Queria saber o que ela pensa enquanto faz isso...


*****


Falta paixão...




sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Sem pé,com Cabeça.

Faz tempo que não posto só por postar. Na verdade, não sei qual foi a última vez que fiz isso...só pra contar uma história qualquer ou apenas para dizer que não tenho nada a dizer por hoje.

Bem, na verdade, nunca tenho algo a dizer, mas fico falando e falando e falando qualquer coisa meio sem sentido que a mente fértil de vocês tornam em uma coisa legal. Sou muito grata a vocês por serem tão viajantes em coisas tão alienadas...

Sabe?Às vezes fico besta quando cai a ficha das coisas que faço involuntariamente (voluntariamente também). É como passar a noite discutindo com o Cabeça porque ele é um cabeça dura. O tipo de pessoa que não é capaz de entender que eu tenho o direito de gostar de filmes de ficção, e é claro que ficção é mentira, caso contrário não teria esse nome (ficção). E no fim de tudo perceber que sou tão intolerante quanto ele, caso contrário não tentaria faze-lo parecer mais comigo e menos com o Cabeça intolerante que ele é.

Isso me faz lembrar do lendário França dizendo que não existe nada mais conservador que um liberal no poder e nada mais liberal que um conservador no poder. Sacaram o link da frase com a parada do Cabeça? Claro, vocês viajam demais, impossível não terem notado.


Queria até desenvolver mais essa idéia para ela se tornar um texto bacana e (talvez) reflexivo. Mas sinceramente estou aqui por nada, pra ninguém... Tipo, me dou o direito de fazer esse tipo de coisa porque quase nunca faço isso aqui e postar uma poesia qualquer não daria para ficar falando e falando e falando...

Tanto faz na verdade, quem se importa? O bom é que o nome do post faz jus a ele.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

¨dOis perdidOs em uma nOite quase suja

_ Não.
_Não? Por que não?
_ Não vai chover. Estar nublado não é sinônimo de chuva, diz ele com aquele olhar rimbaudiano, sorrindo pela retina.
_ É sim.
_ Não, não é.
Ela silencia, e os dois continuam quietos entre a imprevisão do tempo e o sarcasmo do rapaz que tentava ser o novo rimbaud.
_ Viu? Não disse? Começou a chover, afirma a garota. De risada irônica como quem fizesse um gol ou vencesse uma batalha com um tiro só. E certeiro, não fosse a resposta dele.
_ Chuviscar não é chover.
_ É sim!
_ Não, não é.
Ela abaixa a cabeça, troca os passos pelo passado e quer sussurrar com os anjos, já que ele não a escuta.

_ Pena, quando chove a Lua não aparece.
_ Não está chovendo e a Lua vai aparecer hoje.
_ O céu está nublado e chuviscar é chover.
_ E o céu estar nublado tem haver com o que na história?
_ A Lua não aparece com o céu nublado.
_ O vento está para o lado oposto.... a Lua aparece hoje.
_ Não, você vai ver...a Lua não vai aparecer e a chuva vai apertar.
_ Esse é seu problema, você sempre pensa que sabe de tudo. Ela perdera a calma com quem perde o silêncio.
_ Só porque eu estou falando isso significa que eu penso ser a dona da verdade?
_ É.
_Oh, eu só estou falando o que eu acho! Só porque estou certa....
_ Agora me chama de burro! Não disse que você .....
_ Não te chamei de burro!!!
_ Aham, chamou....
_ OHHHH!!!
_ Sim, chamou....
_ Eu disse que estou certa e isso não é chamar de burro!
_ O tom que você usou..
_ O tom???
Ela começa a ficar nervosa.
_ Viu??? Não choveu....Parou de chuviscar.
_ E o que tem???
_ Você disse que ia chover. Não choveu.
_ O céu ainda está nublado....vai chover sim.
_ Não, claro que não vai, minha cara.
_ Agora é você me chamando de...
_ Não te chamei de nada, oras.
_ Se quando eu disse que estava certa e te chamei de burro, agora foi você que me chamou de burra, acusa-o quase xingando, enquanto ele sorri entre dentes. Você está rindo de que?
_ Nada...

Ela pára por um instante. O silêncio consome a discussão e ela o beija.
E a lua, enfim, aparece.

*****

Não ia dizer, mas esse texto é uma repostagem do meu antigo blog. Naquela época as coisas eram diferentes e o Sthevo me ajudou em pequenos detalhes. Eu gosto do texto e desconsidero o final alternativo onde o homem morre.