segunda-feira, 27 de julho de 2015

O Fábio do Necrotério

Existe um rotina quando as pessoas morrem em um hospital (desculpas por tocar nesse assunto, mas as pessoas realmente morrem no hospital e existe uma rotina após isso). A enfermeira chama a família. O médico dá a notícia. Eu (psicóloga) estou ali, parada ao lado para dar o suporte quando o silêncio se rompe em choro, ou grito, ou não se rompe. E caminhamos juntos por toda parte dolorosa e também pela burocrática. Passamos para pegar um papel aqui, receber os pertences ali, fazer uma ligação...

Até que vamos ao Fábio, do necrotério. Raramente o vejo fora desses momentos, tanto que não consigo tirar o acompanhamento de seu nome. É o seu nome.
-O Fábio, Fábio de que?
 Seu sobrenome.
-Fábio do Necrotério.

Ele passa comigo a parte que menos gosto: a parte que o familiar vai ver o corpo ali deitado naquela sala sem o conforto que não é mais necessário. Sinceramente, é uma parte muito ruim de acompanhar.
Então é sempre assim, quando o encontro no corredor sei que alguém faleceu. Ele é um prenúncio. Seu cabelo molhado, seus óculos escuros. Meu coração surta dentro do peito e penso “Merda, quem foi?”

E me preparo porque alguma psicóloga vai receber uma ligação. Detesto óbitos, espero que não seja eu. Espero que seja a Letícia, Quando a ansiosa curiosidade aperta, pergunto em um gesto simples de longe: “Tem alguém?” e ele nega com a cabeça a distância. Eu quase sorrio.

Nesses dias reparo um alívio que sempre me passou despercebido e que acontece no rosto dele quando faço essa pergunta. Ele é meu prenúncio. Eu sou o prenúncio dele. Toda vez que me olha pensa, angustiado: “Espero que não tenha óbito”. E aguarda a ligação. 

2 comentários:

Sem horas e sem dores,esse espaço é recomendado para seus escritos, sejam eles sobre o texto ou sobre a resposta fundamental da vida,do universo e tudo mais.


E-mail para tagarelar mais:
anaclaraj@gmail.com

Fica um abraço pra quem sentir vontade de receber um.