O mesmo diferente sabor

Foi colocar o copo de café na boca para instintivamente fazer careta. Os músculos do rosto se moveram involuntariamente, e o café não estava ruim, estava simplesmente com o mesmo gosto dos últimos três copos que já tomara nesse mesmo dia. Talvez seja por ter tomado muito café hoje. E ontem. E antes de ontem. Seria bom parar de tomar tanto.
Hábito tão forte que algumas vezes se pegou perto da garrafa térmica verde. Dava um passo para trás e tentava mudar o rumo. Roeu as unhas para passar o tempo e reparou que tinha uma cicatriz no ombro. Suco, água, e não é que existiam vários tipos de bebida?
Sabia que não havia necessidade disso, não hoje. Se não existia mais prazer, para que insistir? Resistiu não só por um dia.
Notou assim que algumas coisas, mesmo que gostando muito, vão se perdendo com o tempo. Como gostar tanto de escrever que tudo acaba virando uma obrigação de ir para o papel. E só depois daquele tempo que se privou de escrever, sente algo que estava no seu entendimento, você é apaixonada pela escrita. Ou como um músico que de tanto tocar se acostuma ao prazer e fica indiferente. E ficar sem tocar o faz descobrir como cada nota é única em si.
Nesse tempo, um tempo para se privar de um sabor e nota-lo novamente. E voltar à essência de tudo.Esperando o suficientemente até que o cheiro se mostre mais atraente. Foram semanas até que isso acontecesse. Levantou da cadeira, agora não mais por instinto e sim por vontade, colocou um dedo de café na xícara e tomou.

Dessa vez nada de caretas instintivas.