domingo, 8 de fevereiro de 2009

Conversas de cozinha


Naquela época as coisas eram mais simples. Meus cabelos eram vermelhos, era uma aluna de boas notas, tomava sorvete na véspera das provas de geografia, minha mãe não fumava e morávamos juntas na recém comprada casa da rua Salustiano Nunes. Já via o mundo de forma diferente, mas não via o mundo de forma completa.
Reformamos a casa antes de nos mudarmos. Fizemos uma cozinha onde era a varanda e uma varandinha onde não tinha nada. Reformamos o banheiro que agora precisa de uma nova reforma. Mudamos o piso. Pintamos as paredes externas naquele amarelo que até hoje não sei de quem foi a ideia. Mas,sonhamos muito com a cozinha. Eu pedi uma bancada, mas ela nunca chegou a ser encomendada.
Mesmo que grande parte de nossos planos ainda não tenham acontecido, ela se tornou o melhor lugar da casa. Às vezes minha mãe colocava música e dançava ali com o Vanderley. A televisão do quarto passou para a cozinha, onde ficávamos sentadas vendo Gilmore Girl’s antes de começarmos a fazer o almoço de domingo.Eu e o Lucas travávamos uma lutinha básica por ali, ele também tinha o golpe baixo de me dar uma queda e partir para a cosquinha. Sempre que falava ao telefone, sentava em um canto perdido da cozinha. Era onde tomávamos um café a qualquer hora do dia ou da noite conversando sobre qualquer coisa.
Não foi porque era o lugar da casa onde havia comida, até porque não comíamos na cozinha, mas sim na sala. Não foi porque é o lugar onde não se é tão abafado e não fede a chulé dos meninos. Foi simplesmente porque na cozinha tem um atrativo para grandes conversas e momentos tecnicamente diferentes.

Reparei logo que conversas de cozinha são muito mais interessantes, e quando passadas para outro lugar da casa, perdem o encanto, a intimidade, ou sei lá o que certamente seja o segredo do mistério à bolonhesa. Tanto faz a cozinha, desde que seja uma cozinha. Coisa básica,coisa boba.

_Vamos para a sala?Vai começar o programa da Ellen. – pensando ser um convite irrecusável.
_Estamos conversando na cozinha Thaís! – disse em tom perplexo.
_A gente conversa na sala!- insiste como se eu não houvesse entendido a questão.
_Você não entende. Estamos conversando na cozinha! – depois disso passamos para a sala e a conversa morre de morte súbita.

Porque tudo que é intimo é levado para a cozinha. Não se recebe pessoas que não temos intimidade pela porta da cozinha e nem esperamos que ela nos veja lavando louça ou os farelos de pão na mesa. Porque é basicamente um gosto irremediavelmente agridoce. Algo acompanhado com alcaparras, coisas assim. E se não for abuso, com o rosto propositalmente sujo com massa crua de panquecas com direito a pergunta “Posso fazer um Sol?”.

Conversas à bolonhesa. Molho branco. Quatro queijos. Frango com Catupiry. Creme. Borda recheada. Pimenta calabresa. Fazendo a gente degustar algo com prazer. Claro,isso não tem nada a ver com comida.

Um comentário:

Sem horas e sem dores,esse espaço é recomendado para seus escritos, sejam eles sobre o texto ou sobre a resposta fundamental da vida,do universo e tudo mais.


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