quarta-feira, 6 de julho de 2016

Meu afeto e suas cebolas

Duas informações sobre cozinhar: é uma demonstração de afeto e é completamente sexy. Bom, pelo menos nessa minha cabeça isso faz um completo sentido (mas não vamos falar sobre o fato de ser sexy, não nesse texto).
Ter interesse em saber o que a pessoa gosta e se determinar a passar aquele tempinho do seu dia dedicado a isso. Cozinhar é, basicamente, suar, cortar a mão, se queimar e ficar com cheiro de tempero por gostar da pessoa. E passar por tudo isso, sem dúvidas, é uma demonstração de afeto.
Cozinhar para alguém é como dar o melhor pedaço da galinha para a mais importante da mesa. É escolher quem ganhará o primeiro pedaço do bolo da sua festa de aniversário.
E sempre quando penso no nosso namoro, penso que você detestava cebolas. Talvez, só talvez, seu pior defeito. Eu detesto palmito em qualquer coisa, mas tolero com paciência. Detesto uva passa na farofa, mas consigo superar com uma pitada de rancor. Mas detesto, de forma imperdoável, maçã na salada de maionese. Mas adoro cebolas desde sempre na vida e em (quase) tudo. E se a vida é brincalhona, ela foi brincalhona em unir meu amor com seu pavor.
 No início, quando estávamos nos conhecendo, insisti e picava pequeno. Gostava muito de você, mas adorava as cebolas. Falava “Juro, você nem vai notar”, ou simplesmente não falava nada, porque “Vai que é só implicância, né?”. Foi uma tarefa inútil, você tinha aversão a elas e as encontrava em todos os lugares. Se eu fazia esforço para deixa-las, você passava uma vida para tirá-las.
Com o tempo, minhas comidas eram sempre pensadas em você. Acho que foi assim com meu afeto também. Às vezes, esquecia de comprá-las por me policiar tanto no cuidado contigo. Notava que essa coisinha cresceu em você também quando criou a condição: “Pode colocar cebola, desde que seja ralada”. Dava trabalho? Dava. Era a mesma coisa? Não era. Mas foi um cuidado seu no cuidado meu.
A gente se gostou muito e na mesma proporção que você as detestava.


E tudo caminhou bem, até que um dia você não se importou mais e colocou maçã na salada de maionese.  E não teve perdão.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Boa noite

–Boa noite - falei, os dois já se encontravam ali esperando.
–Boa noite - ela falou antes.
–Boa noite - ele fala depois.

Entramos no elevador. Ele balançando as chaves. Ela olhando o celular. E eu me perguntando se ela não apertaria o botão do próprio andar. Talvez tenha escutado o que pensei e logo sinaliza que irá para o sexto.

– Boa noite - ele se despede no primeiro andar.
– Boa noite - eu respondo.
– Boa noite - ela responde.

Até que, muito brevemente, chegamos ao meu destino.

– Boa noite. - eu me despeço no segundo andar.
Ela não me respondeu.
Então tá.

domingo, 8 de maio de 2016

Dia de mistura


Ontem as coisas todas se misturaram no dia. Normalmente, em sua vida, as coisas se misturam em uma composição perigosa com nitroglicerina.
E, normalmente, o dia termina com ela chateada porque está cansada demais, porque alguma coisa não resolvida já deveria estar encaminhada, porque um cérebro não deveria girar tão rápido dentro de um pequeno espaço como sua cabeça (tudo bem, o espaço não era tão pequeno graças a genética de sua família).

Mas as coisas, um dia, se misturaram de um jeito diferente. O sabor do brigadeiro meio amargo que ganhou pela manhã com a sensação de expectativa do dia de descanso. O som da música tocando alta dentro do carro com as luzes já acesas das casas no início da noite. O sabor do vinho tinto seco com a conversa cheia de sorrisos (que sorriem até os olhos). O vento gelado batendo em seu nariz com a mão que segurava quentinha perto de seu corpo e lhe fazia carinho.

E quando as coisas se misturam de um jeito tão certo que faz dar coisinhas boas dentro do seu peito (e quanto tempo ela não sentia essas coisinhas no peito), ela escreve um texto qualquer para misturar com a sensação de gratidão.