E eram seus 83 anos, anos demais
em sua cabeça, anos de menos quando pensava em todas as coisas que queria poder
ver acontecer. Mas viu tanto e tudo. Viu os filhos crescerem. Viu os netos
nascerem. Viu o cabelo da esposa ficar branco e as dobrinhas de sua pele, de
todas as expressões da vida, se tornarem permanentes pelo rosto. Viu os piores
e mais dolorosos problemas passarem.
E era nisso que ele pensava
quando o médico chegou naquela tarde e disse que não poderia fazer mais nada
para curá-lo. Ele apenas assentiu com a cabeça, quieto, compreensivo. Estava
deitado em uma cama desconfortável de hospital há semanas, com uma parede sem
cor em sua frente e um barulho sem vida saindo dos aparelhos que o monitoravam
na UTI.
Sua filha mais nova estava
segurando sua mão. Deu para ver sua
expressão mudar, seus olhos diminuírem e lágrimas saírem pelo rosto da caçula.
Ele continuou quieto, apertou a mão dela querendo dizer que entendia sua dor,
mas que tudo ficaria bem.
Foi de concordância de todos que
ele iria para a enfermaria e quando pudesse, assim que pudesse, iria para casa,
com todos os medicamentos para dor que necessitava. E isso aconteceu em uma sexta-feira
que pareceu a mais feliz de sua vida pelo simples fato de sentir um cheiro de
café fresco vindo da cozinha amarela.
O difícil dos próximos dias era
ver que após cada sorriso dado tinha saudade. Todo olhar dado era permeado de
falta, mesmo que ele estivesse ali presente. Respondia esboçando um sorriso de
gratidão.
E nada para ele mudou nesses dias. Manteve as
contas em ordem, manteve seus filhos por perto, manteve-se informado das notícias
do mundo e a felicidade do seu time de futebol preferido ganhando um clássico.
Manteve as roupas passadas e a calma de saber que não adianta nada se afligir
por bobeira. Manteve o cabelo cortado, a barba feita e o carinho de assistir a
novela com a esposa.
Ele manteve sua vida da melhor forma possível, sabendo que nada iria terminar
mal quando se vive tão bem.