domingo, 23 de setembro de 2012

Sobra tanta falta


"Em espanhol, “divorcio” é a unidade de medida internacional 
que calcula a distância entre dois travesseiros." - Rita Apoena


Os lábios vermelhos daquela senhora ficaram borrados pelo ultimo beijo. Agora seria apenas ela novamente, nessa casa que tão pequena se fez grande de solidão. As flores que ganhou em seu aniversário comemorado há pouco tempo ainda estão lindas na janela.  O armário vazio de uma pessoa que já se foi. Um amor não deveria durar menos que o "para sempre", onde a poltrona ao lado sente falta de uma risada, de uma mão dada. Um barulho tão grande que se faz para afastar a ausência. No porta retrato você ainda sorri como uma linda companhia. Um dia ela irá conseguir esquecer, enquanto isso abraça o travesseiro que ainda tem seu cheiro tão presente quanto a memória de você aqui por perto.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

rotina


Sem filhos. Sem cachorro. Sem gato. Sem passarinho. Sem peixinho. Sem tartaruga. Semana conturbada. Chegar tarde. Sair cedo. Contas a pagar. Coisas a resolver. Cama por fazer. Roupa pra lavar. Louças ainda na pia. Lista de livros para ler. Comida quase pronta. Mesa para dois. Sexo para dormir. Um cheiro no pescoço para acordar.
Tem dia que tem cheiro de café. Televisão ligada. Assuntos demais a conversar. Dia que o almoço sai tarde. Risadas altas. Carinho. Acorda-se fora de hora, não saio da cama, nem você: enrola-se. Amigos juntos quando começa a escurecer. Você querendo sair. Eu quase sempre, não.
Às vezes, brigas. Às vezes, irritações. Às vezes, discordâncias. Às vezes, alguém dormindo no sofá. Às vezes, lágrimas demais. Quase sempre a culpa é minha. Mas, tem beijos. Abraços. Bobeiras de cama. Mordidas. Declarações. Mimos. Coisas bobas a comemorar. Piadas. Gracinhas. Tem amor. Tem saudades.

sábado, 21 de julho de 2012

satisfação [4]


Acho que só as coisas mudam, mas daí a gente acaba mudando junto com as coisas que mudam e tudo fica diferente no final. Ela, por exemplo, nunca foi uma pessoa muito agradável não, a não ser às vezes, porque o nível de cafeína aumenta seu potencial de simpatia.  Sempre foi do tipo que não se sente confortável com gente estranha, que usa óculos escuros e escuta música dentro do ônibus para evitar conversa, mas gosta das pessoas,  só acha que junto demais enjoa, porque junto de mais faz a gente perder o ar. Costuma dizer que tem humor bom quem não tem bom humor o tempo todo, ela é daquelas que fala pouco e reclama até quando chove.  Mas, de uns tempos pra cá, que tempos são esses eu não sei dizer, as coisas mudaram a ponto de deixa-la sorrindo pelos cantos e por toda parte. E quando sorri para as pessoas, não sorri apenas com a boca, mas deixa seus olhos sorrirem também, junto e com todo o resto de seu rosto, fazendo com que pareça uma pessoa com beleza explícita, onde não apenas os inteligentes conseguem ver. Ela duvida muito que tudo  tenha se tornado diferente, e por vezes age ao contrário do que sente só para provar que ainda é como sempre foi, que nada mudou para que ela mudasse. Vai que reparam e se reparam, o que dirá ao mundo? Mas, quando age sem pensar, lá está, se mostrando mais feliz do que consegue determinar.  Então nesse dia, que é meio frio, meio quente,  chega com seu fone de ouvido estranhamente laranja, segurando sua bolsa, segurando seu livro e distraída com seu cansaço acumulado de uma semana anormal. Aquele homem alto de calça branca, nunca antes visto na Rua Santa Catarina, especificamente no Edifício Morumbi, a encontra esperando o elevador da esquerda, ele para no da direita e aguarda após um educado “Boa noite”. Normalmente impessoal, normalmente constrangedor, normalmente um teste para a simpatia e paciência de qualquer pessoa normal. Quando um dos tão esperados elevadores chegam, ele pede para que ela aperte o número de seu andar porque suas mãos estavam ocupadas.

“Um para você e o outro para mim”, ela é dessas que se diverte apertando o botão como as crianças e nesse momento se distraiu demais com a satisfação, momento de descuido. Só se sabe que no final, quando sobem os dois andares e ela abre a porta para sair e se despedir, o homem estava dando gargalhadas dos comentários bobos que ela soltava a todo instante que estava desprevenida do ar rabugento que carrega rotineiramente como se tivesse 90 anos ou mais. Quando fecha a porta ela repara que sim, tinha muito o que explicar para o mundo e a si. Quanta coisa mudou para que atingisse o nível supremo de agradabilidade?
"O botão do elevador", pensa como sendo a única resposta possível. Foi apenas apertar o botão do elevador que a deixou naquele estado tão irreconhecível. Ninguém precisa saber dessa mudança toda. Logo passa. Logo vai passar e ninguém vai notar. E se notar, a causa de tudo é apenas o botão do elevador.



segunda-feira, 12 de março de 2012

Apesar dessas coisas todas,

Sabemos daquelas coisas todas que todos insistiriam em nos dizer. Sabemos que não deveríamos ter começado, não deveríamos ter nos tocado, nos beijado, nos olhado. Sabemos, e evitamos, nos controlamos e nos retiramos de nós mesmos, até que me vi tão perto de ti e toquei meus lábios no seu rosto e não parei mais. Sabemos que se começamos deveríamos ter parado logo de início, pedido desculpas, dito que era engano, que havia sido de uma estranheza só e confuso demais, mas no momento seguinte já estávamos sentindo falta, um do outro, a cada segundo próximo que já parecia distante demais, não tinha como mentir e esconder essas coisas todas. E sabemos que uma hora tudo isso vai acabar, que logo não restará mais do que já tínhamos antes e talvez uma ferida para acompanhar, junto com esse silêncio todo que essa estória vai se tornar agora.

*****
Sim, todo amor é sagrado.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

uma última de Amores Imperfeitos

(por Paula Rios )

Lucky I'm in love with my best friend
Lucky to have been where I have been
Lucky to be coming home again

Dois amigos bem diferentes e ao mesmo tempo com tanta coisa em comum. Ele era fascinado por números e não ligava muito para tecnologias. Era alto, desengonçado, usava óculos e tinha cabelos lisos e pretos. Odiava ver televisão e sua maior diversão era sacanear sua melhor amiga. Já ela, gostava de ler. Devorava livros e café. Era magra, ruiva e com uma capacidade incrível de ser impactante em apenas alguns minutos de conversa. O que os uniam era o fato de terem crescido juntos e por dividir fantasias de como deveria ser o mundo e a vida deles. Eram surreais em se tratando de paixão.
Ele sempre achou que fosse encontrar a mulher dos seus sonhos casualmente. Que um dia fosse precisar de um taxi na saída do aeroporto e teria que dividi-lo com uma completa desconhecida por ser o único disponível. Que se apaixonariam pelo simples fato do sorriso tímido trocado por terem tocado ao mesmo tempo na maçaneta do carro.
Ela já achava que conheceria a pessoa com quem passaria o resto da sua vida numa livraria ou cafeteria. Que se olhariam e nesse único momento o mundo pararia e pronto, se amariam. Eram iludidos e por isso viviam num mundo que criaram e acreditavam que essas coisas de filme e amor à primeira vista poderiam realmente acontecer. O que não esperavam era se apaixonar um pelo outro, isso simplesmente nunca havia passado pela cabeça deles.
E foi bem simples, nada de dividir taxi, nem se esbarrarem por acidente numa livraria ou algo parecido. Saíram como faziam toda semana. Foram ao teatro, depois numa pizzaria e nesse meio-tempo, ela percebeu que ele era o único que a entendia, que realmente a conhecia de trás para frente. E ele já havia notado faz tempo que era somente com ela que conseguia ser ele mesmo.
Entre pizza, risadas e coca-cola, se olharam fixamente por segundos e perceberam que simplesmente não seria estranho. Ficaram e foi tão natural que na outra semana já falavam em namoro. Porém tinham um receio imenso de destruir a amizade que tinham.
Numa conversa, ela deixou claro o medo de magoá-lo, de decepcionar a pessoa mais importante de seus dias, anos. E ele a olhou muito sério e sussurrou em seu ouvido:
Meu único medo é de te perder e esse também deveria ser seu único. - ela o olhou estupefata e nesse momento viu uma pessoa que poderia fazer dar certo o plano de uma vida feliz a dois.
O namoro durou dois anos até que ele recebeu uma proposta de emprego numa multinacional nos EUA e ela não pôde ir junto, pois precisava cuidar da sua mãe que estava doente. Então, combinaram de se ver a cada seis meses. Primeiro ele viria e depois ela iria vê-lo. A idéia funcionou por um tempo, mas acabaram terminando.


O tempo passou e anos mais tarde se encontraram sem querer no saguão do aeroporto. Ela estava indo para uma reunião de trabalho em outro Estado e ele chegando dos EUA para visitar os familiares. Por causa de uma tempestade, o vôo dela atrasou e ele resolveu ficar para fazer companhia. Foram tomar um café e colocar a conversa em dia. Ela estava noiva, mas não mencionou em momento nenhum, embora ele tivesse reparado a aliança em seu dedo. Conversaram sobre a vida, o universo e tudo mais. Relembraram estórias engraçadas de escola, de brigas, do namoro e do triste fim de suas vidas juntos. Ela parou por um momento de falar e nesse vazio ele perguntou:
No que está pensando?
– Nisso! – ela retrucou.

Sorriram, continuaram a conversa e minutos depois se despediram.

Dentro do avião, ela abre a bolsa e encontra um guardanapo dobrado que não havia ali antes, um bilhete dele escrito:
“Muito tempo se passou, mas algumas coisas simplesmente não mudam. Você continua com essa eterna mania de viver bem sem mim. Boa viagem!”
Ela sorriu, mexeu na aliança, dobrou o guardanapo e seguiu viagem.

Quando ele saiu do aeroporto, correu para pegar o único taxi disponível e ao chegar perto, uma moça tocou na maçaneta do carro junto com ele e acabaram por dividir o taxi.

*****

Deixa eu deitar com você
Que a noite é bem melhor, quando eu sonho com você

A... se não fosse o amanhecer e você ficasse aqui
Eu podia te mostrar, tudo que eu guardei pra ti

*****


Meus melhores e maiores sorrisos.