sábado, 21 de julho de 2012

satisfação [4]


Acho que só as coisas mudam, mas daí a gente acaba mudando junto com as coisas que mudam e tudo fica diferente no final. Ela, por exemplo, nunca foi uma pessoa muito agradável não, a não ser às vezes, porque o nível de cafeína aumenta seu potencial de simpatia.  Sempre foi do tipo que não se sente confortável com gente estranha, que usa óculos escuros e escuta música dentro do ônibus para evitar conversa, mas gosta das pessoas,  só acha que junto demais enjoa, porque junto de mais faz a gente perder o ar. Costuma dizer que tem humor bom quem não tem bom humor o tempo todo, ela é daquelas que fala pouco e reclama até quando chove.  Mas, de uns tempos pra cá, que tempos são esses eu não sei dizer, as coisas mudaram a ponto de deixa-la sorrindo pelos cantos e por toda parte. E quando sorri para as pessoas, não sorri apenas com a boca, mas deixa seus olhos sorrirem também, junto e com todo o resto de seu rosto, fazendo com que pareça uma pessoa com beleza explícita, onde não apenas os inteligentes conseguem ver. Ela duvida muito que tudo  tenha se tornado diferente, e por vezes age ao contrário do que sente só para provar que ainda é como sempre foi, que nada mudou para que ela mudasse. Vai que reparam e se reparam, o que dirá ao mundo? Mas, quando age sem pensar, lá está, se mostrando mais feliz do que consegue determinar.  Então nesse dia, que é meio frio, meio quente,  chega com seu fone de ouvido estranhamente laranja, segurando sua bolsa, segurando seu livro e distraída com seu cansaço acumulado de uma semana anormal. Aquele homem alto de calça branca, nunca antes visto na Rua Santa Catarina, especificamente no Edifício Morumbi, a encontra esperando o elevador da esquerda, ele para no da direita e aguarda após um educado “Boa noite”. Normalmente impessoal, normalmente constrangedor, normalmente um teste para a simpatia e paciência de qualquer pessoa normal. Quando um dos tão esperados elevadores chegam, ele pede para que ela aperte o número de seu andar porque suas mãos estavam ocupadas.

“Um para você e o outro para mim”, ela é dessas que se diverte apertando o botão como as crianças e nesse momento se distraiu demais com a satisfação, momento de descuido. Só se sabe que no final, quando sobem os dois andares e ela abre a porta para sair e se despedir, o homem estava dando gargalhadas dos comentários bobos que ela soltava a todo instante que estava desprevenida do ar rabugento que carrega rotineiramente como se tivesse 90 anos ou mais. Quando fecha a porta ela repara que sim, tinha muito o que explicar para o mundo e a si. Quanta coisa mudou para que atingisse o nível supremo de agradabilidade?
"O botão do elevador", pensa como sendo a única resposta possível. Foi apenas apertar o botão do elevador que a deixou naquele estado tão irreconhecível. Ninguém precisa saber dessa mudança toda. Logo passa. Logo vai passar e ninguém vai notar. E se notar, a causa de tudo é apenas o botão do elevador.